A arte e as emoções: as síndromes de Stendhal e de Davi


Você já sentiu alguma sensação diferente – uma emoção mais forte, um sentimento de angústia ou de mal estar ao observar alguma obra de arte? Ou ao entrar em algum museu ou estar em contato com ruínas ou cidades históricas? Determinadas atmosferas podem despertar sensações intensas, certo desconforto e até mesmo aquela sensação de já ter estado no local ou vivenciado aquela situação – o conhecido déjà vu.

É sabido que algumas pessoas são mais sensíveis à arte. Não é incomum sermos tocados ou sensibilizados por algum tipo específico de arte, termos reações de estranhamento, aflição, ou mesmo emoção ao nos depararmos com alguma obra ou situação. A arte é um meio de nos fazer pensar e despertar inquietações. Mas claro, cada pessoa reage de uma forma diferente, já que o sentimento é algo subjetivo.

Quando estive em Florença, lembro de observar algumas esculturas, expostas na Loggia dei Lanzi, localizada ao lado do Palazzo Vecchio, na Piazza della Signoria, e não querer ficar muito tempo por ali, movida pela sensação desagradável que me traziam as cenas reproduzidas, que traduziam situações de violência e de morte. Em outros momentos, fiquei tão admirada com alguma obra e até emotiva.

Algumas das esculturas na Loggia dei Lanzi, localizada na Piazza della Signoria, em Florença

Quando viajamos para um lugar novo, é natural que sejamos despertados por diferentes emoções, encantamento, sensação de euforia, de estranhamento, entre outros. Mas você sabia que algumas pessoas têm sensações que não podem ser controladas, chegando ao extremo, impactadas por alguma obra de arte ou atmosfera histórica?

Esse semestre resolvi me aventurar em uma disciplina do curso de Mestrado em Turismo da Universidade de Caxias do Sul – UCS. Embarquei na disciplina Turismo e Psicologia, a fim de estudar e entender melhor as relações entre essas duas áreas do conhecimento. Nas últimas aulas, discutimos alguns textos que falavam sobre essas sensações, os quais deixo a indicação no final do post. Estudamos alguns distúrbios psíquicos identificados em viajantes, quando em contato com algumas obras de arte como as síndromes de Stendhal e de Davi, que resolvi trazer no post de hoje, a título de curiosidade.

A síndrome de Stendhal foi identificada pela psiquiatra italiana Graziella Magherini, ao perceber a recorrência de situações que apareciam no hospital Santa Maria Nuova, em Florença, na Itália. Leva esse nome, por ter sido relatada, pela primeira vez, pelo escritor francês Stendhal, que descreveu os sintomas emocionais vividos em sua visita à Basílica de Santa Cruz, em Florença.

Os sintomas apresentados são bem diversos e vão desde crises de mal estar, angústia, taquicardia, alteração da percepção, sintomas depressivos e até mania de perseguição ou alucinações. A ocorrência do transtorno é rara e não costuma ter consequências mais graves, sendo recomendável repouso, proximidade com algo familiar ou prescrição de medicamentos leves.

A psiquiatra estudou esses sintomas durante dez anos e observou a maior frequência deles em viajantes solitários, que não têm com quem dividir as sensações despertadas pelas obras em suas viagens. A viagem em grupo ou com uma companhia oferece a possibilidade de compartilhar aquilo que se sente, dividindo as observações e sentimentos, não os deixando guardados apenas para si, o que poderia amenizar a eclosão de um sentimento de mal estar.

Rapto de Polissena, esculpido por Pio Fedi, em 1866, na Loggia dei Lanzi, em Florença

Com sintomas semelhantes à síndrome de Stendhal, analisamos, também, a Síndrome de Davi. Utilizando como exemplo a obra de Davi de Michelangelo, que dá nome ao transtorno, percebe-se a perfeição estética com que é retratada cada parte da escultura, com formas curvas, os detalhes dos músculos, as veias aparentes, os traços jovens e afeminados do rosto, a representação do olhar, assim como acontece com outras obras históricas.

Essa perfeição não provoca tranquilidade em algumas pessoas, que sentem-se ameaçadas ao observar a obra e podem desenvolver uma sensação de perda de sentido e até ataques de pânico. O que diferencia esse transtorno do primeiro são as características que remetem a um instinto de vandalismo contra a obra. Inclusive, a escultura de Davi já teve o seu pé danificado por um visitante na Galeria dell´Accademia, em Florença.

Foi observado, pela pesquisadora, que embora cada pessoa reaja de uma determinada forma, certos tipos de arte são muito perturbadores e podem revelar conflitos profundos do inconsciente, insatisfações ou dificuldades pessoais. O conjunto das características das obras de arte, a atmosfera do lugar visitado, interagem com elementos que constituem o indivíduo, influenciado por sua história, ou seja, a arte em si não seria a única responsável pelo desencadeamento de um sintoma, mas estimularia aspectos da experiência individual do indivíduo que aflorariam e seriam trazidos à tona.

Certas ocasiões do passado caminham conosco, mesmo que de maneira inconsciente e alguns lugares e vivências auxiliam a despertar essas lembranças, já falamos sobre isso em outro post. O próprio Freud, no seu texto Um distúrbio de memória na Acrópole, relata sobre sentimentos que se revelaram em uma de suas viagens a Atenas e que tinham relação com uma questão de seu passado, em especial na relação com o seu pai, e que lhe traziam sensações de incredulidade, culpa e frustração naquele local.

Embora o objetivo do nosso post de hoje seja trazer algumas informações sobre as síndromes estudadas, que mais uma vez retomo, são de rara ocorrência, é importante salientar que é comprovado, pela ciência, que o contato com a arte estimula a atividade neural e aumenta os níveis de serotonina – o neurotransmissor da felicidade. Dessa forma, na maioria dos casos, promove sensações de bem-estar e pode beneficiar a saúde do ser humano.

Inclusive, a visitação a museus tem sido recomendada por médicos canadenses como um tratamento complementar em algumas doenças crônicas, câncer, diabetes, Alzheimer, entre outras. Ainda, temos a importância comprovada das atividades de arteterapia, integrando o tratamento de muitas doenças, em especial, na área da saúde mental.

A arte provoca reflexões, nos leva a sair de uma maneira corriqueira de pensar, traz inquietações, faz explorar outros sentidos e desperta diferentes sensações. Embora cada pessoa sinta de uma forma diferente – e que coisa boa! –, esse contato pode nos fazer refletir tanto sobre o mundo externo, quanto sobre questões internas que podem ser despertadas nesse encontro do ser humano com a arte.


Links para os artigos mencionados no post:

1. Arte perturbadora, Revista Mente Cérebro.
2. Médicos canadenses prescreverão visitas a museus para melhorar bem-estar, Revista Galileu.
3. Um distúrbio de memória na Acrópole. Obras Completas de Sigmund Freud. Encontrei o texto nesse link, a partir da página 251.

Comentários

  1. O verdadeiro significado da arte é para o artista.

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    1. Acho que cada artista tem um objetivo com seu trabalho e causar algum tipo de impacto pode ser um deles. Mas não há como saber quais serão as reações de quem estiver observando, que podem estar relacionadas com as suas próprias vivências. Obrigada pelo comentário e pelo tempo dedicado a ler o post!

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